domingo, 21 de agosto de 2011

Mais uma história para contar

Tantos anos contando histórias para as crianças em hospitais e eu não imaginava que - mais uma vez, estaria de licença. Os nódulos continuam nas minhas pregas vocais, são inofensivos, mas me atrapalham para fazer risada de bruxa, ou um "i" bem agudo (uma das minhas especialidades). Eles também deixamminha voz muito cansada. Fora isso eles são "do bem".

Depois da licença do ano passado, para cuidar da voz - que eu não cuidei direito - voltei a atuar na Santa Casa desde abril/2010. E também abandonei o blog. Mas esse ano fiquei novamente de licença, para cuidar da voz em definitivo. E isso incluía uma cirurgia de septo, porque quem quer falar direito precisa respirar direito.

Eu só não imaginava que teria mais essa história para contar.

No meio dessa licença - antes da septoplastia e depois da decisão de ser mãe no final deste ano, descobri mais nódulos. Mas esses não eram do bem. Não eram nas pregas vocais, mas estavam bem pertinho do nervo da voz, o que incorria no risco de uma rouquidão - para sempre.

Para quem não sabe, a tireóide é coladinha do nervo vocal. E a minha tireóide me pregou uma peça, seu lado esquerdo tinha um nódulo. Maligno. Pois é, um câncer.

São 8 anos contando histórias, sendo 6 anos de Viva (Associação Viva e Deixe Viver). Grande parte deles na infectologia do Emílio Ribas, e a outra metade desses dividida entre a oncologia do Darcy Vargas e da Santa Casa, e agora eu que tinha que procurar o oncologista.

Tantos tempo contando histórias para os pequenos, e tudo o que eu queria nos dias de isolamento da radiodoterapia era alguém comigo naquele quarto de hospital frio. Não, não estou reclamando. Mas quarto de hospital é frio. Seja do Hospital Vila Penteado ou do Albert Einstein.

O que os torna mais humanos são as pessoas. Os médicos- obrigada Dr. Sérgio Tazima, as enfermeiras e enfermeiros (obrigada pela atenção!), no meu caso as físicas nucleares, que fizeram da minha estadia no Hospital Oswaldo Cruz mais serena. E pela minha vivência, pelo que eu acredito, os contadores de histórias também ajudam na humanização do período em que uma criança está internada, e por que não, de um hospital inteiro.

Ainda estou na fase da reflexão. Fiz minha cirurgia em junho. A Iodo semana passada. Ainda estou no semi-isolamento, não posso ter contato com grávidas, e com aqueles que mais amo: as crianças. Mas só por 10 dias. Ainda não acabou. Ainda estou ansiosa, esperando o resultado da minha PCI (PCI = pesquisa de corpo inteiro).

Mas sem dramas, porque eu não tenho mesmo esse perfil!

Este post marca meu retorno ao blog. Enquanto eu não volto a contar histórias, quero falar sobre elas aqui, indicar livros para quem tem filhos, pra quem não tem, indicar histórias. Sem nenhuma pretensão. Quero apenas colaborar com minha experiência, contar o que eu sei e aprender o outro tantão que eu não sei. Quero contar. Compartilhar. Porque quem conta encanta, não é mesmo?

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

De licença...

Dois nódulos nas "pregas" vocais e muita fono. Já são 6 meses de licença, uma cirurgia do septo para os próximos meses e muita fono. Em breve estarei de volta!!! Ao hospital, às crianças, ao que eu mais gosto de fazer: contar histórias e estar com os pequenos.

Feliz 2010

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Livro Mágico, coisas mágicas

Hoje acabou a energia no hospital. Assim que eu havia chegado ela piscou. Eu estava só na brinquedoteca. Medo. Medo do escuro. Pensei nas crianças. Ligaram o gerador. Foi rápido, ainda bem.

Pude ler o relatório do dia anterior. Uma contadora perguntava se alguém conhecia o "tal livro mágico que assopra e muda de cor, porque as crianças não paravam de pedir". Preciso ser honesta. Dá um bem estar saber que as crianças lembram da gente, gostam da gente, sentem com a gente.
O livro é mágico sim, mágico porque cada uma das crianças que toca nele se encanta e esse encanto é transformador, para mim e para eles.

Certas transformações são como mágica: inexplicáveis, rápidas. Maravilhosas.


Saí para os quartos cheia de alegria. Assim que cheguei no andar encontrei uma menina linda no corredor.
Já nos conhecemos. Fomos para o quarto, mostrei o livro Leo e Albertina e antes que ela pudesse dizer algo, a luz apagou, mais uma vez. Só deu tempo de segurar em sua mão pequeninha, que apertou bem forte a minha (que apesar de pequena, perto da dela ficou gigante). Deu um medo. Às vezes dá um medo. A luz voltou novamente, bem rápido.

Ela olhou para mim, assutada. Mas em segundos retomou o assunto, como se nada tivesse acontecido:


- Esse eu já conheço! É a história do porco, ele se apaixona pela galinha. É uma história de amor.
- Ah, é? E como é que termina?
- Aiii Tia! Claro que eles viveram felizes para sempre! Até parece que você não sabe!


Sem doces ilusões, às vezes nos esquecemos disso. Sempre viveremos felizes para sempre. Sozinhos, juntos, com poucos, com uma multidão. A vida toda, por muitos e muitos anos, por alguns poucos anos, por dias, e até mesmo por poucos maravilhosos momentos. Basta entender que o "para sempre" pode não seguir o mesmo ritmo do relógio ou do calendário. Basta ter coragem, porque medo, esse a gente sempre tem. E nem é preciso estar no escuro...

terça-feira, 17 de março de 2009

Quando eu voltar a ser criança

Hoje pensei: vou escrever no blog. Comecei com um discurso besta sobre o tempo, o quão é efêmero, o quanto reclamamos dele, etc, etc. Cheguei á conclusão, ou melhor, indagação: Lilian, quem você pensa que é para falar qualquer coisa sobre o tempo!?! Desisti. Óbvio. Mas pensei nas crianças. Estava explicada a minha vontade de falar do tempo: pela primeira em quase seis anos, faz três semana que não vou contar histórias no hospital. Culpa do tempo. Ou o que chamamos de "falte de".

Isso me deixou profundamente triste. Sei lá eu porque, fiquei pensando no primeiro livro que realmente me tocou. Eu tinha 10 anos quando li, ganhei do meu pai (isso já faz 19 anos!): "Quando eu voltar a ser criança". Fui olhar na minha pequena biblioteca - se é que assim posso chamá-la, e ele estava lá. Velhinho, puído, sujo, mas com as folhas intactas (ok, tem uns riscos de caneta nas contracapas, acho que foi minha irmã caçula...). O autor é Janusz Korczak, um educador polonês, que viveu em um orfanato. Fiquei feliz.


De repente, me deu um estalo!!! Só pode se isso. Está explicada minha paixão pelas crianças, pelas histórias, em tentar nunca me esquecer de como é o universo infantil. Li o prefácio, da Tatiana Belinky (imagina, nem sabia quem ela era na época). Li as primeiras páginas novamente e lembrei de tudo. Tudinho. É claro, já comecei a ler novamente, e escrevo este post também para indicar para aqueles que pretendem entrar no universo infantil, lembrar como é ser e pensar como criança.

Será que foi um sinal? Voltei a pensar nas crianças do hospital. Isso não pode mais acontecer. Semana que vem estarei lá, Lili, firme e forte, de quarto em quarto, com minha sacolinha mágica, meu sorriso sincero e meu peito aberto. Cheio de amor pra dar, histórias pra contar e tempo para compartilhar. Era isso que eu tinha pra dizer.

domingo, 21 de setembro de 2008

E se fosse possível?

Mês passado tivemos uma palestra do Viva, com a Regina Machado. Dentre as coisas interessantes que ela falou, que foram muitas, uma ficou comigo. Sabe aquela coisa de "eu já sabia disso, claro", mas que quando alguém tangibiliza dizendo à você, você pára e pensa sobre? Foi isso que aconteceu. Ela disse algo a princípio óbvio: que histórias - boas histórias, nos fazem descobrir o que tem sentido na vida e nelas vivemos o que poderia parecer impossível. Esse é o encanto.

E se fosse possível virar bicho? E se fosse possível viajar no tempo? Não importa quantos anos tenhamos, sempre sonhamos com coisas possíves e outras, aparentemente impossíves. Ao menos no mundo real. Opa! O que seria o mundo real? Real para mim é o que eu vivo hoje, agora. Logo, TUDO É REAL.

Estamos tão presos ao que eu chamo de "sensações concretas e materiais", que ás vezes, nos esquecemos que podemos viver o que quisermos. Basta sonhar, imaginar, vizualizar. Viver.

Se me pego imaginando como seria se eu pudesse voar, estou vivendo isso. E, enquanto minha imaginação estiver correndo solta, tudo é real. Eu sinto o frio na barriga ao atravessar as nuvens, eu acho engraçado ver tudo tão pequenininho lá de cima. Eu posso ser menina, menino, bicho, planta. O que eu quiser.

Nas histórias, qualquer coisa é possível: uma doença sarar com pó mágico; uma realidade dura virar conto de fadas; a dor, que era grande, virar uma árvore bonita e vistosa; o duro dia no trabalho virar um mar de gargalhadas.

E é isso que tentamos fazer quando contamos histórias, quando ouvimos e quando vivemos as histórias. Simplesmente viajar na imaginação. Nem que seja por alguns minutos...

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Emília, você de novo!

Quando digo que quem conta encanta é porque um contador de histórias está sempre pronto para contar algo, e mais do que isso, pronto para ouvir uma boa história. Ele se deixa encantar, se deixa levar pela fantasia, pelo lúdico. Mesmo que seja pego de surpresa!

Após quase 10 festas, no dia do nosso Parque dos Valores, como eu disse anteriormente, sou a Emília. Mesmo que não vá fantasiada.

Na última festa, o dia estava frio e chuvoso. Eu não estava com meu vestidinho amarelo e vermelho, muito menos com minhas madeixas coloridas. Dessa vez estava com meu macacão colorido, que uma amiga querida fez especialmente para eu contar histórias. A primeira criança a vir falar comigo disse, sem cerimônia:

- Oi Emília! Tudo bem?
- Tudo!
(espanto)
- Você pintou o cabelo?
- Pintei sim, de preto
. (resposta rápida!)
- Mas até a próxima festa ele fica colorido de novo, não é?
- Claro! Você gosta mais?
- Eu gosto, você fica mais bonita. E cadê sua roupa? Seu vestido?
- Está lavando.
- Ah, é que estava chovendo e não deu tempo de secar, é isso?
- Isso mesmo!
- Tchau, Emília! Eu já volto, vou fazer uma pipa...

Me deu um beijo e saiu sorrindo e saltitando. Foi aproveitar a festa.

Emília

Três vezes por ano um grupo cheio de gente boa organiza a Festa Parque dos Valores, no hospital Emílio Ribas. Eu procuro participar sempre. Na Páscoa, Dia das Crianças e Natal fazemos uma bagunça e nos divertimos muito. São mais ou menos 600 crianças.

A maioria de nós vai fantasiado. No meu caso, a contadora de histórias dá lugar a uma das minhas personagens preferidas: Emília. E mesmo eu tendo contado histórias neste hospital por muito tempo, até as crianças que conhecem a "Lili", neste dia, somente se dirigem a mim como Emília. E eu realmente sou a Emília.

Numa das festas estava lá, eu, com meu vestidinho amarelo e vermelho e meus cabelos pra lá de coloridos, quando uma garotinha linda chegou perto de mim e me desafiou:

- Você não é a Emília! Ela está lá na minha casa, na minha televisão. Você é gente!
- Como assim? Claro que eu sou a Emília! Olha só meu braço de boneca.

Ela apertou meu braço sem me dar muita bola, como se pensasse "bobinha". Assim que virei de costas, ela segurou no meu "cabelo colorido" e deu um puxão, bem forte, mas não o suficiente para arrancar os 300 grampos que eu havia colocado para segurar meus novos cachos. Meu cabelo nem se mexeu. Ela arregalou os olhos e disse pra amiguinha ao lado, espantanda:

- Eu acho que é de verdade!

Até hoje ela vem falar comigo, sempre sorrindo.

- Oi Emília!